Questão de materialidade
(Fonte: Galeria-Revista de Arte nº 12, 1988).

Por Sônia Salzstein Goldberg

O texto cita os artistas Sérgio Sister, Paulo Pasta, Nuno Ramos, Fábio Magoes e Marco Gianotti , relacionando-os e comparando-os á questão da materialidade, a forma como se dá em relação ao suporte e ao processo criativo.

“ Como pode determinado trabalho de arte constituir-se como subjetividade sem tornar-se ,nesse processo de sua construção, uma metáfora, simples instrumento de um discurso que é primeiro o do sujeito e só depois o seu que lhe é anterior e portanto exterior?”
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No trabalho, a constituição da subjetividade seja a mesma do suporte que eles sejam uma só coisa ou que esse dado esteja contabilizado na inteligência da obra, ou até mesmo encená-lo como farsa.
Em Sérgio Sister, o suporte não está ai simplesmente para receber uma qualificação por parte da subjetividade, ele reage, parece sem repouso, recusa-se ao acerto de uma possível verdade da matéria. Chega-se á evidencia do suporte não pela afirmação dos materiais, e sim pelo reconhecimento da superfície. Em Sérgio o campo pictórico não coincide com os limites do suporte, as pinceladas são obstinadas, mas incapazes de produzir forma, soltar o gesto a se dar como matéria . Seu fluir é comedido, mas persistente, como uma subjetividade que se registrou ali, mas não quis coincidir como suporte, ser explicitada nele. (...)

Paulo Pasta faz coincidir um signo de representação com uma ação sobre a matéria. Além disso, o espaço representacional já é dado de imediato ao tratamento da superfície, como que revestida de uma pele que contém as efervescências mais secretas da pintura, cor que fornece a ilusão de estar obrigando o corpo e também pela indeterminação do corpo percorrido por virtual linha do horizonte.

Nuno Ramos Sufoca com sua densidade pantanosa e sua dificuldade letárgica em assumir a posição vertical, as últimas esperanças de uma poética da representação. Materialidades desconcertantes: não se sabe se são fatos da ordem da visão, ou se estão a repetir em sua feição de corpos biológicos, qualquer adesão do olhar.
Ao invés de se abstrair um plano entende-se que aquela película visual que se precipita na superfície é algo residual, o excesso que escapou a normalização do campo visual, diferente da pintura de Bruno, que vive na impossibilidade com o plano e assim na descentralizaçao do sujeito , cuja presença só pode ser resgatada na indiferenciaçao turbulenta da matéria , Fábio Miguez pressupõe uma ação continente sobre esta, e daí um sujeito em tensão permanente com o suporte que então resulta. Parece ser dotado de uma sabedoria dos pequenos ganhos, ciente de que o sujeito já não ocupa o centro do campo visual.

A ação da pintura se inicia no momento de administrar essa erupção opaca e indiferente da matéria, de qualificá-la pelo trabalho do olho que aplaina os grumos, apara os excessos, dá-lhes sentido e constitui o plano. Humaniza-os.
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